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  1. A Arte e o Bar

    Saturday, September 08, 2007

    (Texto publicado na edição de setembro do jornal Letras do Café)

    Antes de mais nada, desejo compartilhar com os leitores o processo de produção desta coluna. Como os princípios do jornalismo e da literatura me ensinaram, a primeira coisa a ser feita quando se deseja escrever sobre um assunto é entendê-lo profundamente. Pois bem, decidi que o melhor seria embarcar numa viagem etílica pelo bares da vida, claro, pelo bem do jornalismo investigativo. Naturalmente, eu já havia experimentado os prazeres do álcool antes de começar este texto, no entanto, todas as experiências etílicas do passado foram estranhamente apagadas da minha memória, o que me obrigou a empreender uma reunião de outras novas.

    A primeira e mais importante revelação que tive durante esta jornada em busca da Verdade, foi que todos aqueles escritores que se diziam boêmios, que enchiam a cara de absinto esperando a inspiração chegar, são uns grandes mentirosos. Escrever bêbado é impossível. Eu até pensei que faria muito sentido, que seria um tanto quanto metalinguístico e poético escrever alcoolizada sobre bebida, mas quanto mais eu tentava, mais distante de conseguir eu parecia, o que me fazia beber mais para esquecer a frustração, transformando tudo num grande círculo vicioso.

    Mesmo que a vontade de escrever aproveitando o calor do álcool exista, a necessidade de procurar por uma caneta e um papel faz o individuo desistir da empreitada em dois segundos para perseguir outra coisa mais interessante como, por exemplo, divagar sobre o quanto considera os amigos de bebedeira ou planejar a sua próxima ida ao banheiro (o que, para um bêbado, consiste em uma epopéia complexa e arriscada, especialmente se o alcoolizado encontra-se em um lugar público e é do sexo feminino).

    Debatendo sobre esse assunto com um amigo de bar (os melhores que um boêmio pode ter, depois do bartender, é claro), chegamos à conclusão de que a turma do absinto certamente contratava um estagiário encarregado de estenografar todas as conversas e inspirações etílicas.
    Pensando assim, a teoria de que os artistas que são contemporâneos influenciam uns aos outros e os movimentos surgem em grupos de amigos, etc., cai por terra. A explicação para a semelhança de tom entre escritores e pintores é muito mais simples: o estagiário era o mesmo.

    Ora, ser um estagiário de Baudelaire não deveria ser coisa fácil e, como bem sabemos, artistas nunca foram exatamente bem pagos e ricos, portanto, concluo que a profissão ingrata de escritor dos escritores não deveria ser uma carreira muito atraente para jovens letrados, o que me leva a acreditar que os profissionais da palavra, muitas vezes, dividiam o mesmo estagiário.
    Consigo até imaginar o Lord Byron escrevendo para Mary Shelley: “Mary, tem como você trazer seu estagiário pra Suíça, ainda não consegui encontrar nenhum que tenha me agradado aqui.” Ou, entre os pintores, Van Gogh dizendo: “Paul, encontrei um cara aqui em Arles que é ótimo, não precisa trazer o seu quando você vier. Só tem um problema: ele gosta muito de amarelo. Traga um bom estoque desta cor.”

    Penso também que deveria ser uma profissão com alto nível de insalubridade: além ter que acompanhar estes notáveis artistas em suas rondas noturnas sabe se lá por que tipo de ambiente e ter que levar o seu patrão em casa (suponho que, em várias ocasiões, carregando-o no colo), o estagiário corria um sério risco de cair em tentação e acabar destruindo a sua carreira para sempre. E tenho certeza que nenhum deles tinha plano de saúde ou direito a seguro desemprego.

    Imagine Hemingway, indignado, conversando com Fitzgerald: “Scott, você não acredita. Gertrude esteve secretamente pagando drinks para o meu estagiário e agora ele virou alcoólatra.”“Ah, Ernerst, essas feministas são impossíveis. Preocupa não que eu divido o meu com você.”

    Infelizmente, nos dias de hoje, a tecnologia tornou extinta esta profissão tão nobre. O artista boêmio, agora, pode se dispor de vários recursos tecnológicos que facilitam o encontro com a sua musa. De qualquer maneira, utilizando estagiários ou não, é fato que a grande maioria dos escritores e pintores bebiam. Muito. Com tanto álcool permeando a história da arte, fica difícil pensar que a bebida deve ser evitada. A presença dele como protagonista na produção de tantos clássicos me faz não ter dúvidas de que já fez mais bem do que mal. Como disse uma vez Dorothy Parker, de maneira abslutamente intraduzível: “I'd rather have a bottle in front of me, than a frontal lobotomy.”

    Para finalizar, convido você, leitor, a erguer o seu copo e fazer uma homenagem silenciosa não só ao álcool em si, mas também a fazer um brinde tardio a todos aqueles nobres profisionais que sacrificaram suas vidas, mantendo-se abstêmios e ocultos, em busca de um objetivo maior. Tin-tin.

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