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  1. Tantas Palavras

    Friday, November 02, 2007

    Eu sempre tive uma atração por palavras pouco usadas. A última flor do lácio, embora algumas vezes acusada de inculta, nos oferece um leque gigantesco de possibilidades e sons incrivelmente interessantes. Por isso, sempre defendi a utilização de palavras mais variadas no dia a dia. Olhe um instante para o dicionário e tente imaginar o universo de possibilidades que contém nele. Mesmo assim, o hábito, a vida cotidiana e a taxa do dólar, nos fazem ter pouco tempo para explorar novos mundos de palavras desconhecidas, fazendo-nos escravos do lugar-comum.

    Durante a constante busca por expressões diferentes, me deparei com uma classe fascinante delas: as palavras que falam várias coisas de uma só vez. Meu irmão me disse uma vez que é uma ocorrência comum no japonês, mas, como falo apenas duas palavras nessa língua - aprendi que é sempre bom saber pedir licença e agradecer em vários idiomas - não posso confirmar se é verdade. Em todo caso, palavras que descrevem ações com exatidão, costumam me causar mais fascínio do que as outras que precisam de acompanhamento para se fazerem entender.

    Um grande exemplo disso é a boa e velha "defenestrar", que já foi honrada com grandes textos elogiando a sua natureza misteriosa e, ao mesmo tempo, precisa. Como não se apaixonar por uma palavra que, com apenas 11 letras, é capaz de descrever o ato de atirar algo ou alguém pela janela?

    Outra delas é procrastinar - da qual sou mais fã do que deveria - que significa "arrastar com a barriga". Agora, eu pergunto, caro amigo que é atraído pelo mundo das letras (é o mínimo que posso supor, se você chegou até esse ponto do texto), quem foi o espírito de porco que inventou esta expressão? Observe o quão mais distinta uma frase fica se usamos a palavra procrastinar ao invés do grosseiro "empurrar com a barriga", ou do clichê "deixar para amanhã o que se pode fazer hoje".

    Usando apenas aquele simples verbo, a sentença ganha muito mais pompa, muito mais reverência, e faz até com que o ato da procrastinação pareça algo genuinamente importante. Imagine se falo com a minha chefe: "minha cara, creio que hoje procrastinarei o trabalho até onde puder". É capaz de ela me dar um aumento!

    Em inglês, também já observei várias palavras com o mesmo poder. De todas, "elope" é a minha preferida. Não sei se pelo poder romântico que ela evoca, ou se pelo quê de aventuresco que a imagem de dois amantes fugindo com o propósito de se casar, mas acredito que ela é capaz de provocar suspiros no mais cínico dos corações. Vislumbro que, num futuro próximo, quando inventarem um dicionário onde cada palavra tiver direito à sua própria trilha sonora, "elope" virá acompanhada de “The wonder of you”, ou qualquer outra canção melodramática da fase Las Vegas do Elvis.

    Aliás, nem é necessário ir tão longe para encontrar expressões que contenham significados abrangentes. O nosso bom e velho "oi", palavra simpática e gordinha que, embora muitas vezes seja subestimada e lançada cruelmente ao campo da informalidade, também possui o poder de dizer muito. Oi pode significar "como está, velho amigo, que saudade!", ou "perdão, não ouvi o que você disse" e até mesmo "olhe para mim, estou aqui deste lado do salão".

    Mesmo assim, embora eu saiba compreender o valor do "oi", acredito que até mesmo ele pode ser substituído por outras palavras mais interessantes. Naturalmente, não é do meu desejo vilipendiar o "oi", muito menos incentivar a prática da tautologia e menos ainda de incitar o aparecimento de Odoricos Paraguaçus. O que proponho ao leitor é simplesmente praticar a diversidade, buscar outras alternativas. Afinal, ampliar o vocabulário é a melhor maneira de encomiar a língua portuguesa e é só variando o uso de palavras como o "oi" que seremos capazes de reconhecer seu verdadeiro valor.

    Por que, por exemplo, não trocamos o oi pelo tin-tin? Ao menos em ambientes boêmios, faria muito sentido. Porque o tin-tin é reservado apenas para o brinde? Imagine que agradável seria chegar no Café com Letras e ser saudado pelo garçom com um belo "Tin-tin"? É praticamente um convite para a felicidade, para a celebração.

    Os franceses mesmo não dizem oi. Nunca. Por outro lado, usam bonjour para qualquer coisa, a qualquer hora do dia. Agora, querido leitor, vá tentar falar bom dia pelas ruas! Será obrigado a ouvir a cretina reprimenda: "bem, já é boa tarde, não?", acompanhada pelo detestável gesto de levar o indicador ao relógio de pulso.

    Este tipo de gente, que insiste em se confrontar com o cidadão honrado que luta diariamente pelo direito das expressões abandonadas, é aquele mesmo que chega no almoço de domingo na casa do Tio Paulo e grita: "é pavê ou pa comê?", que adota todas as expressões usadas pelo núcleo pobre da novela das oito, enfim, é uma pessoa que passa a vida empurrando tudo com a barriga.

    Por isto, venho aqui fazer um convite para todos que chegaram ao final desta longa apologia: defenestre! Procrastine! E faça valer aqueles vários reais gastos com o seu Houaiss.