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  1. Peixinho Dourado

    Monday, October 08, 2007

    O texto abaixo é o publicado no livro do Grupo Galpão, como que havia contado alguns post atrás. No livro, o título foi alterado e uma frase foi cortada. Aqui, coloco a versão originial do texto.


    Eu sempre tive sérios problemas com a fisionomia das pessoas. Não é que minha memória seja ruim. Ao contrário, guardo de cor os telefones dos meus amigos e vários outros números de conhecidos que precisei ligar uma ou duas vezes na vida, sei CPF, identidade, título de eleitor e todos esses dígitos inúteis de se memorizar, me lembro de casos e histórias contadas por amigos anos atrás e datas de aniversário de gente que eu nem tenho mais contato. No entanto, quando se trata de um rosto - bonito ou feio - que aparece na minha frente, tudo parece mais difícil e sempre leva um certo tempo para ser processado pela minha truculenta memória, que insiste em me trazer a luz somente quando a pessoa lembrada já está me dando as costas.

    Uma vez lembrado de onde veio um rosto, tudo me vem facilmente: a situação em que conheci a pessoa, uma eventual discussão numa mesa de bar sobre um assunto qualquer, casos contados por ela, se eu gostei ou não dela à primeira vista e os motivos da minha empatia. Acontece que todas estas informações sobre alguém são simplesmente inúteis se o empurrão inicial não é dado, ou seja, se o rosto não aparece associado a alguma situação ou conversa na minha cabeça.

    O grande problema é que as pessoas tendem a interpretar a minha falha de memória visual como um tipo de falta de consideração ou educação e muitas já ficaram ofendidas por não terem sido recordadas. Por este motivo, me vejo sempre dependente do auxílio de amigos e familiares que, eventualmente, me socorrem nas situações delicadas da vida social. Obviamente, tudo se complica com os meus seis graus de miopia que, mesmo corrigidos pelas lentes, não facilitam muito o processo todo. Portanto, ciente da minha deficiência, decidi que quando estou navegando sozinha pelo mar de rostos-interrogações, o melhor mesmo é acenar para todas as pessoas que me cumprimentam na rua, até mesmo para aquelas que eu tenho quase certeza de que estão, na verdade, direcionando o aceno para alguém que está atrás de mim, ou as que estão simplesmente agitando os braços no ar dando a impressão de um tchau. Conclui, depois de muita reflexão, que é melhor passar a vergonha de um aceno no vácuo do que criar um inimigo.

    Além disso, aprendi também que uma boa idéia é arriscar um palpite, tendo consciência, é claro, dos riscos que se corre ao fazer isto. Semana passada, por exemplo, estava dirigindo tranquila perto do bairro onde moro quando vi Isabel, uma vizinha muito simpática que, além de tudo, é filha do melhor amigo do meu pai.

    Ao que parecia, Isabel estava caminhando em direção à sua casa e eu, possuidora de uma alma que deseja alcançar os céus um dia, fiz o que qualquer bom cristão faria e parei imediatamente o carro para oferecer uma carona para a minha querida vizinha, afinal de contas, por menor que seja a distância, qualquer um que já andou em Belo Horizonte sabe que a falta de visão de Aarão Reis e sua turma resultou em um eterno martírio para os pedestres.

    Muito animada, acenei entusiasticamente para Isabel, encostei o carro e abri a porta enquanto a esperava caminhar até o meu carro. Logo que ela entrou, cumprimentei com um beijo e já tratei de engatar uma conversa rápida, daquelas típicas de ter com alguém quando se dá ou recebe carona:

    - Oi, Isabel, tá boa? Nossa, ia ser uma caminhada longa até a sua casa, hein! Já está de férias da faculdade?

    - Sim, estou.

    - Ai, que ótimo. Eu tive que ir agora lá na PUC, acredita? Peguei prova especial com uma professora super chata, que me fez ler o livro mais insuportável que já li na vida. Você sabe, esse povo parece que sente um prazer íntimo em torturar a gente. Era um livro daqueles sobre técnicas de como melhorar a sua marca e ser um empreendedor de sucesso, sabe? Pior é que eu ainda tive que fazer um resumo no negócio.

    - Sei... – e deu uma risadinha burocrática.

    - Seus pais estão bem? - perguntei por que minha mãe tinha comentado na semana anterior que eles estavam morando na Itália.

    - Sim, estão ótimos.

    - Nossa, devem estar adorando morar lá, eu tenho um amigo morando em Bolonha e está super feliz lá. E você e a sua irmã? Estão se virando bem aqui? Está tudo bem na sua casa?

    - Sim, tudo ótimo.

    - Que bom. Vocês não estão brigando muito não, né? Ah, nem devem se encontrar muito, né? Eu sei que a Luísa é bem ocupada por causa da faculdade de medicina.

    - É, ela quase não fica em casa então a gente praticamente não se vê. Olha só, pode me deixar aqui que eu vou na casa de uma amiga aqui na rua de cima.

    - Imagina, Isabel! Eu te levo lá na casa da sua amiga! De carro é tudo mais fácil e esse morro aí não é nada fácil de subir debaixo desse sol, que eu sei. É só me indicar o caminho.

    - Então vira aqui à esquerda.

    Depois disso, parei de falar porque Isabel não parecia estar com muita vontade de jogar conversa fora.

    - Pronto, é aqui.

    - Essa aqui?

    - É.

    - Então tchau, Isabel, dá um beijo na Luísa por mim.

    - Pode deixar.

    E foi só na hora que eu olhei de dentro do carro para a Isabel parada na frente da tal casa que eu me dei conta de que tinha dado carona para uma estranha.


  2. Convite

    Tuesday, October 02, 2007

    Queridos (e pacientes) leitores deste blog,

    Há mais ou menos um ano, eu enviei uma história para a campanha "Conte sua história", do Grupo Galpão. Depois disso, eles montaram o espetáculo "Pequenos Milagres" que estreou este ano e, claro, não incluía a minha.

    Pois bem, agora eles resolveram publicar um livro com as melhores histórias recolhidas durante a campanha e a minha é uma delas. O livro vai ser lançado na livraria Travessa no próximo sábado, dia 06, às dez da manhã. Naturalmente, estão todos convidados.